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sexta-feira, abril 30, 2004

Griffith e as Censuras Correctas 

1 - A Cinemateca conserva muitos cortes de censura. Ou seja, muitos rolinhos de pedacinhos de filmes (em certos casos, rolões e pedações) que os censores, antes do 25 de Abril, cortaram em inúmeros filmes, quando achavam que estes genericamente podiam ser vistos, desde que expurgados de certas cenas mais inconvenientes. Há cinco anos, Manuel Mozos fez um notável trabalho de montagem desses cortes, o que permitiu mostrá-los.
Os espectadores dessas sessões, como possivelmente os leitores desta crónica, ouvindo falar de "cenas inconvenientes", punham-se a pensar coisas. Do género daquela deliciosa frase, inventada depois do 25 de Abril, "cenas eventualmente chocantes". Preparavam-se para indecências ou esquerdices. Enorme foi o espanto deles quando depararam com imagens que hoje fazem parte do quotidiano deles, já não digo cinematográfico mas televisivo: um decote mais ousado, uma rapariga mais brejeira, uma maminha de fora, um actor português mais lúbrico a atirar com uma mulher para a cama e a dizer-lhe ofegante: "Madalena, hás-de ser minha." Ou um padre a conversar com um comunista, uma referência a uma greve ou a um soldado desertor.
A gente mais nova ficava abismada: "Era isto que eles cortavam?" Riam-se muito e não queriam acreditar. Ou perguntavam que era feito dos outros, os cortes que esperavam ver e não lhes oferecíamos. Ignoravam que, até finais dos anos 50, as indecências já não existiam na origem, se os filmes eram americanos e que mesmo nos filmes europeus, mais liberais em política e em costumes, havia conta, peso e medida. De 54 até 74 mais coiso menos coiso, foi-se mudando? Foi-se. Mas ou se mudou tanto que o filme nem cá chegava, ou mesmo essas mudanças, ousadíssimas nessas revoltas décadas, já são hoje tão banais que não contam conto nem acrescentam ponta. A censura, em vez de provocar asco, provocou risota. Sociologicamente era interessante. Nem mais nem menos.
Avanço no tempo. Lembram-se daqueles filmes, "libertados" depois do 25 de Abril e que esgotaram centenas de dias os milhares de lugares de salas que ainda os tinham? Género: "O Último Tango em Paris"? Hoje, os nascidos depois de Abril nem estremecem e acham a coisa tremendamente chata e tremendamente pretensiosa, o que de resto até é.
A censura é de antanho? Em sexo e em política parece sê-lo, embora haja ainda reputações duvidosas (Catherine Breillat ou Vincent Gallo) que inspiram nas "sequências que vocês sabem", como deliciosamente dizem os "Cahiers" a propósito de "The Brown Bunny" do citado Gallo. "Les cinq minutes crues". Mas só funcionam porque, muito hipocritamente, os realizadores se distanciam delas para parecerem o que não são e não serem o que parecem.
Poucos reparam, porém, que fora dessas zonas de clássico interdito, inocências de antigamente seriam hoje tesouradas por toda a gente e em toda a parte, com a mesma admirável boa consciência de dever cumprido que foi sempre a dos censores. Invocá-las como exemplo de censura, provavelmente, arrepiará tanta gente como há cinquenta anos arrepiaria se se mostrassem as tais "sequências que vocês sabem".

2 - A primeira vez que pensei nisto mais a sério foi há um bom par de anos, quando, num congresso de cinematecas, se exibiram diversos filmes publicitários, desses que, quando eu era imberbe, antecediam o filme propriamente dito.
Um desses filmes publicitava os cigarros Camel. Como era do uso, tinha uma pequena história para levar a água ao seu moinho. Qual era a história? A de um pai de família particularmente irascível. Chegava a casa e desatava aos berros com a mulher e a distribuir bofetões pelos filhos. Um dia caiu nele. Aquilo não era vida que se levasse. Abriu-se com um amigo. Este ouviu-o e perguntou-lhe: " Tu fumas?" "Não", respondeu o dos maus fígados. "Então experimenta estes cigarros (grande plano de um maço Camel) e vais ver como essa irritabilidade te passa." Cena seguinte: casa do nosso homem. Maço de Camel. Esparreirado num maple, entre baforadas de fumo, afagava a mulher e beijava os pequenos. Sorria, beatificamente. Uma voz "off" comandava: "Faça como ele. Fume Camel."
Um tal filme, que, nesses tempos, fumadores e não-fumadores viam com o mesmo bocejo com que hoje os "teenagers" vêem a margarina de Marlon Brando, seria autorizado agora em qualquer cinema ou em qualquer televisão? Quem me responder que graças a Deus que não (a humanidade e a ciência evoluíram) pense só um segundo se não foi sempre essa a justificação para qualquer censura. Estão a tomar conta de mim? Salazar também estava. Se me explicarem a diferença, agradeço.
E não vou tão longe que vos lembre um filme de John Emerson de 1916, com Douglas Fairbanks no protagonista e argumento de Tod Browning, que, nos anos 80, para minha grande surpresa, esgotou a lotação da Cinemateca num ciclo dedicado a Tod Browning. Chamava-se "The Mistery of the Leaping Fish" e contava as aventuras de um detective chamado Coke Ennyday. Quem estranhasse o nome era logo esclarecido no início, quando o sujeito aparecia com um frasco de coca (a palavra cocaína em letras convenientemente garrafais). Era um detective de altos e de baixos. Quando estava em alto era imbatível. Quando em baixo deixava-se vencer pelo mais inapto amador. Mas como o Poppeye dos desenhos tinha uma receita infalível para recuperar a forma. Não eram os espinafres, era o pó. Snifava um bocadinho e não havia mistério que não resolvesse, mesmo o do peixe saltador. Em 1916, era provavelmente um filme cómico, próprio para gente de todas as idades. Nos anos 80, tornou-se (em Lisboa pelo menos) um filme de culto. Se tivesse estreado numa sala ou passado na televisão, imaginem a berraria.

3 - Mas se me puxou o pé para esta conversa foi porque começou hoje, na Cinemateca, uma muito aguardada retrospectiva Griffith. Começou com um dos seus filmes mais famosos: "The Birth of a Nation" (1915), de que é costume dizer-se que marcou o nascimento de uma arte e de uma indústria. A arte do cinema, nunca antes elevada a tais píncaros e que raramente os conheceu tão altos no futuro. A indústria cinematográfica, pois que foi o primeiro filme que, com uma duração de 3 horas e 5 minutos e o custo, inacreditável para a época, de 110 mil dólares, rendeu de lucro líquido 4 milhões de dólares, coisa de fazer empalidecer de raiva os nossos lusos aprendizes de indústrias de hoje, que para aí andam na vozearia do costume.
Foi também o primeiro filme que pôs meia América a discutir com outra meia, pois que o ponto de vista de Griffith, sobre o que aconteceu nos estados do Sul após a Guerra da Secessão, horrorizou liberais e deleitou reaccionários. Chamaram-lhe racista, chamaram-lhe tudo. Griffith publicou em sua defesa um manifesto chamado "The Rise and Fall of Free Speech in América", mas passou o resto da vida a tentar redimir-se da tenebrosa fama que os progressistas americanos lhe arranjaram.
Muita água correu sob as pontes. Filmes mudos deixariam de ser vistos. Griffith terminou a carreira em 1931 e morreu em 1948. O escândalo de "The Birth of a Nation" parecia bem sepultado.
Mas, nos anos 70, esses filmes julgados inválidos para o comércio reapareceram em deslumbrantes restauros e foram relançados com pompa e circunstância e acompanhados por orquestras ao vivo, como se usava quando foram feitos. Tudo muito bem, já que era quase unânime a aceitação de genialidade de Griffith, ou de Griffith "como o maior", até que se chegou a "The Birth of a Nation". E, quando se anunciou que o filme ia ser reposto com o mesmo aparato, caiu o Carmo e a Trindade, ou seja, as comunidades negras norte-americanas. Recuperar essa monstruosidade racista, esse filme com brancos pintados de preto, só bons quando apatetados e vilões quando de vara na mão? A polémica de 1915 reacendeu-se em 1985 com muito mais estrétipo e com muito mais ódio. A tal ponto que nenhuma Cinemateca americana ousou apresentar o filme em versão concerto, apesar de ser dos raros casos em que a partitura original se conservou.
A primeira vez em que o filme foi assim mostrado foi em Portugal (Lisboa e Porto) em 1995. Não acreditam? Juro-vos que é verdade. E mesmo assim, a maestra americana - Gillian Anderson - que recuperou a partitura e, com a ajuda do britânico Nicholas Mc Nair, a executou no CCB e no Carlos Alberto, achou-se no dever de preceder tão históricas sessões com um discurso em que disse que, ao rever o filme, não podia calar a sua repulsa e o seu nojo perante tão repugnante racismo, que devia merecer de todos a mesma visceral condenação. Não discutia que "The Birth of a Nation" fosse uma obra-prima, mas era uma obra-prima maldita devido à danada ideologia do seu autor.
Ou seja, quase 90 anos depois da estreia mundial (essa estreia que tão comoventemente Peter Bodganovich recriou em "The Nickelodeon") "o filme em se que fundou uma arte" continua a ser, pelo menos na América, um filme proscrito e um filme censurado.
Na altura, zanguei-me a sério com a "maestrina". E perguntei-lhe que pensava ela do género por excelência do cinema americano, o "western", onde os índios são sempre maus e os "cowboys" são sempre bons. Respondeu-me que índios já os não havia e os negros estavam no Governo americano e, mais dia menos dia, na Casa Branca. Não se deu conta que a resposta fundamenta a censura. Hoje, como ontem, arma de todas as correcções contra todas as incorrecções.
Mudam estas, não mudam aquelas. Estou a dar vivas ao Klu-Klux-Klan? Se é isso que pensam, absolvam depressa os coronéis da Rua da Misericórdia. Eu, por mim, tenho tão pouca misericórdia por eles como pelos que me querem fechar os olhos para a cavalgada final de Lillian Gish e Henry B. Walthall, rodeados por embuçados de branco no nascimento de uma nação.

João Bénard da Costa 30 de Abril 2004 in Público

quinta-feira, abril 29, 2004

Tempos Difíceis 

1 - Roubo o título da crónica de hoje a António Barreto, que assim chamou a uma das crónicas dele com que mais me identifico (PÚBLICO, 11 de Abril de 2004). Ele que me desculpe, embora eu admita, em testemunho inicial, que o roubo foi premeditado, plenamente consciente e sem nenhuma circunstância atenuante.

2 - A última "casa encantada" desencantou muita gente, que mo disse ou mo escreveu. Acharam que era prosa muito difícil e que, se já não se percebia nada de e.e. cummings, menos ainda se percebia de mim. Houve até quem dissesse que de e.e. cummings era eu quem não percebia nada, afirmação que não me custa a subscrever. Perceber também é muito difícil.
Mas curo a ferida com o pêlo do mesmo cão. Na terceira das inconferências de Harvard, de que falei no tal artigo, e.e. cummings contou a história que "diz respeito (bastante adequadamente) não a um único ser humano, mas a uma confusão de milhões denominada O Público" (traduzo - recordo - de Cecília Rego Pinheiro).
Tratava-se de um velho companheiro dele, que procurava trabalho na revista com maior tiragem do planeta, publicada simultaneamente "em quase todas as línguas humanas existentes". Marcou entrevista com o subdirector. "Oiça", disse-lhe este, "se está a pensar trabalhar connosco, é melhor que conheça as Três Regras." O outro quis saber quais eram as regras. "As Três Regras são: primeira, dos oito aos oitenta; segunda, qualquer um é capaz de fazê-lo; terceira, faz-te sentir melhor." "Não estou a perceber", confessou o amigo de cummings. "É muito simples", assegurou-lhe o interlocutor.
Explicou-lhe a seguir que a primeira Regra era escrever de maneira "apelativa" para qualquer pessoa, homem, mulher ou criança, dos oito aos oitenta anos. A segunda Regra tinha por fim convencer os leitores de que o feito da pessoa, sobre a qual se escrevera um artigo, estava ao alcance de qualquer leitor. Todos os seres humanos são iguais e se, por exemplo, Lindbergh sobrevoou sozinho o Atlântico, o leitor deve acabar a pensar que isso também ele fazia com uma perna às costas. A terceira Regra devia persuadir o público a sentir-se muito melhor quando acabava de ler o artigo do que quando o começava, mesmo ou sobretudo se o artigo tratasse de desgraças ou catástrofes inomináveis. "Soa a ninharia", atreveu-se a dizer o amigo de cummings. 'Não seja parvo', repreendeu o oráculo. 'Tudo o que tem a fazer, quando tiver acabado de contar horrores, é concluir dizendo: mas (graças à misericordiosa providência divina) nós americanos, com o nosso alto padrão de vida e os nossos ideais cristãos, nunca estaremos sujeitos a tão inumanas condições; enquanto as Estrelas e Listras esvoaçarem triunfantemente sobre uma nação indivisível, com liberdade e justiça para todos - está a perceber-me?' 'Estou, disse o meu amigo desiludido.' 'Adeus.'"
Cummings considerava esta anedota "o inacreditável - mas também inquestionável - auto-retrato de um cento e um por cento pseudomundo: no qual a verdade se tornou televisionária, no qual a bondade significa não ferir pessoas e no qual a beleza é comprada".
Para quem não tenha lido a minha última crónica, recordo que as inconferências de cummings datam de 1952-53. O que há cinquenta anos aterrava o Poeta, e eram regras do "Reader's Digest" (se, como tudo me leva a crer, era o "Reader's Digest" a revista a que cummings se referia), são hoje regras universais, até em revistas especializadas. O subdirector era mesmo um oráculo. Enunciou as Regras da Casa no presente e anunciou as regras de todas as casas no futuro.
Recentemente, uma revista tão prestigiada como a "New York Review of Books" abriu as suas páginas a um debate sobre notas de pé de página a propósito de citações. Género (para vestir a pele do subdirector de cummings): A. cita "As armas e os barões assinalados". Deve remeter para uma nota de pé de página em que explica que se trata do primeiro verso de "Os Lusíadas", de Luiz de Camões, poeta português do século XVI, ou essa nota é um insulto ao leitor do artigo, que, se compra e lê aquela revista, é suposto saber isso e bastante mais? Sintomaticamente, havia muito boa gente a achar que não era insulto nenhum e que como as pessoas são cada vez mais analfabetas, deve ser regra do autor explicar tudo muito bem explicadinho.
Também recentemente, quando me falaram de certo candidato a um lugar de técnico superior na Cinemateca, objectei candidamente que a pessoa em questão podia ter muitos méritos mas de cinema não sabia nada. Ouvi, do meu autorizado interlocutor, esta (para mim) estarrecedora resposta: "Isso de saber de cinema, tem muito que se lhe diga e - desculpe João - parece-me uma concepção elitista. Fulano pode não saber quem é Murnau ou quem é Ford, mas pode saber coisas mais práticas que são tão importantes como essa."
Por enquanto - talvez não por muito tempo - eu ainda posso andar por aqui com arrazoados sobre cummings, as inconferências e as inconfidências. Quando o Público for o único critério, mandam-me pregar para outra freguesia ou para freguesia nenhuma. Quem teve a grande desgraça de ainda aprender a ler, que vá procurar companhia entre aqueles "maluquinhos" do final de "Fahrenheit 451" ou entre os linces da malcata. Tempos difíceis só se for para si, que o público do major Valentim Loureiro anda interessadíssimo e não consta que precise de biblioteca.

3 - Outro dia jantei com uma muito querida amiga minha, que não via há bastante tempo. A conversa foi parar à Al-Qaeda e ao Iraque e, a certa altura, ela disse-me que tinha ficado doente com um artigo que eu aqui escrevera há tempos sobre pombas e falcões. Não me lembrava nada de ter escrito tal artigo, mas ela lembrava-se muito bem. Como gosta muito de mim, ver-me defender falcões e atacar pombas deu-lhe grande pena.
Fiquei intrigado. Fui reler-me e descobri que, num artigo de Abril do ano passado (cerca de um ano antes do tal jantar) intitulado "A influência da angústia", eu escrevera, de facto, falando desta "danosa guerra", desta "danada guerra", desta "inevitável guerra" (tinha começado a guerra do Iraque), que me sentia crescentemente distante da minha família ideológica. "Quem eu esperava que estivesse ao meu lado não o estava e quem eu esperava que não estivesse ao meu lado, estava-o. E eu não os podia acusar de incoerência ou inconstância. O incoerente era eu ou tinha-me tornado eu." Dois parágrafos abaixo, lá estavam, "de facto", as pombas e os falcões. Peço desculpa pela autocitação, mas aí vai: "Discretamente, procuro a companhia dos falcões silenciosos. Emudeço mais quando as pombas arrulhantes me dizem que deixaram de ter poder sobre mim ou que eu deixei de ter poder sobre elas e as crias delas. Mas, enquanto me lembrar (...) desse 11 de Setembro, que essas mesmas pombas varreram da memória ou da razão, julgo que sou fiel aos fluxos que outrora recebi e transmiti, ao recusar-me qualquer pensamento, palavra ou obra que me aparte das vítimas desse inominável horror ou que me aproxime dos bárbaros que o cometeram, o pagaram, o apoiaram ou o compreenderam. Mesmo que o preço a pagar seja o da influência da angústia, ainda mais do que o da angústia da influência."
Foram estas palavras que tanto magoaram a minha amiga e a deixaram "doente"? Aparentemente, foram. Tivesse eu escrito que não queria parecer lacaio de Bush ou de Blair, possivelmente não lhe tinha feito doer nada. Tempos difíceis.

4 - Estava num consultório de dentista, quando ouvi Sharon exultante por ter acabado de matar o xeque Yassin. Estava a comer uns croquetes no Picasso, quando li que re-exultava ao mandar matar Abdel Aziz-al-Rantisi. Não chorei uma lágrima por tais mortos, mas horrorizou-me ver o chefe de um Estado democrático gabar-se de recorrer ao assassinato político como se de feito heróico se tratasse. Não me horrorizou menos o apoio explícito a tais crimes de Bush e de Howard Kerry (esse Kerry que as pombas suspiram por ver na Casa Branca), absolvidos como actos de legítima defesa de Israel. Gostei de saber que a "velha Europa", nestes casos unanimemente, os condenou sem reservas, com Tony Blair à cabeça.
Mas, se não quero o mundo em que se aplaude o "assassinato de Estado", muito menos quero o mundo da pavorosa entrevista de Omar Bakri Mohammed, ao que parece teórico da Al-Qaeda na Europa, que li no PÚBLICO de 18 de Abril. Cobrindo-se com um "pacto de segurança" que lhe permite viver livremente em Londres, por muito pasmoso que isso me pareça, o monstro diz que "o terrorismo é a forma de agir do século XXI", que não faz distinção entre civis e não civis, inocentes e não inocentes, que "a vida de um descrente não tem qualquer valor" e que o bom terrorista é aquele que ri quando está a matar.
Por mais que eu abomine Sharon, não consigo meter no mesmo saco, ou medir pela mesma bitola, os assassinatos dos chefes do Hamas e o discurso tenebroso de Omar Bakri. As pombas respondem-me que este último é um maluquinho. Mais uma vez me lembrei de Hitler. Durante cerca de quinze anos, muito boa gente leu o "Mein Kampf" e riu. O homem era outro "maluquinho" e nada daquilo era para tomar à letra. Sabe-se o preço pago pelos que não quiseram compreender que o programa do "Mein Kampf" era rigorosamente literal. E que tudo o que foi feito estava anunciado nele.
Quando o Omar Bakri diz que "estamos agora no ano três da era da Al-Qaeda" e que a 11 de Setembro "começou um novo capítulo na História", ai dos que o não levarem a sério, nem levarem a sério o seu rigoroso plano de reconstituição do califado, desaparecido em 1924, e o seu rigoroso anúncio de várias fases do terror como lei do século XXI. Tempos difíceis? Talvez seja dizer pouco.

5 - Esta semana, entrei num filme de Rita Azevedo Gomes, filmado no Museu de Arte Antiga, junto ao "Ecce Homo", a mais extraordinária das pinturas jamais pintadas em português. Deixo-os com essa reprodução. Tudo tão velado. Até mesmo aí. Ou até mesmo ali. Tempos difíceis.

João Bénard da Costa 23 de Abril 2004 in Público

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